Pedro Sá




O sono


É uma mulher pequena, e mesmo que se colocasse na ponta dos pés ainda caberia por inteiro em meu olhar.

Enquanto a contemplo, dormindo com seus olhos entreabertos, quase imóvel entre os lençóis, ela me parece um pouco maior, e mesmo assim, ainda sinto aquela mesma necessidade de abrigá-la, de cobri-la com o meu olhar.

Qualquer amante que não tenha ao menos uma vez apreciado o sono da mulher amada, ainda não cumpriu a contemplação plena que nos exige o amor, pois, é verdade que, por esse simples gesto e em profundo silêncio o amor costuma deixar-nos os indícios de sua existência.

Se, por exemplo, o corpo da mulher amada anoitece, pouco a pouco, como uma cidade que vai apagando suas luzes, significa que ela acredita ter adormecido sobre a guarda de sua sentinela e que, então, cabe a nós vigiar os portões de seu templo e passear as mãos em atento silêncio por entre as esquinas de seu corpo.

Se ela desmaia subitamente sobre o cômodo calor do peito, supõe-se então, que esse mesmo calor lhe fará amanhecer. Ela acordará devagar e com gratidão beijará as mãos que se enredavam e se aqueciam em seus cabelos.

E, por fim, haverá uma leve embriaguez no ar matinal. Sentiremos que vê-la adormecer, uma única vez, foi o bastante para que sua presença permaneça para sempre estreitada ao nosso ser, como se apenas o ritmo do nosso coração pudesse conduzi-la novamente à paz e ao sono, e como se apenas o suave abrir dos seus olhos sobre o cômodo calor do nosso peito pudesse levá-lo novamente a amanhecer.