O sono
É uma mulher pequena, e mesmo que se colocasse na
ponta dos pés ainda caberia por inteiro em meu olhar.
Enquanto a contemplo, dormindo com seus olhos
entreabertos, quase imóvel entre os lençóis, ela me parece um pouco maior, e mesmo
assim, ainda sinto aquela mesma necessidade de abrigá-la, de cobri-la com o meu
olhar.
Qualquer amante que não tenha ao menos uma vez
apreciado o sono da mulher amada, ainda não cumpriu a contemplação plena que
nos exige o amor, pois, é verdade que, por esse simples gesto e em profundo
silêncio o amor costuma deixar-nos os indícios de sua existência.
Se, por exemplo, o corpo da mulher amada anoitece,
pouco a pouco, como uma cidade que vai apagando suas luzes, significa que ela acredita
ter adormecido sobre a guarda de sua sentinela e que, então, cabe a nós vigiar
os portões de seu templo e passear as mãos em atento silêncio por entre as
esquinas de seu corpo.
Se ela desmaia subitamente sobre o cômodo calor do
peito, supõe-se então, que esse mesmo calor lhe fará amanhecer. Ela acordará devagar
e com gratidão beijará as mãos que se enredavam e se aqueciam em seus cabelos.
E, por fim, haverá uma leve embriaguez no ar matinal.
Sentiremos que vê-la adormecer, uma única vez, foi o bastante para que sua presença
permaneça para sempre estreitada ao nosso ser, como se apenas o ritmo do nosso
coração pudesse conduzi-la novamente à paz e ao sono, e como se apenas o suave
abrir dos seus olhos sobre o cômodo calor do nosso peito pudesse levá-lo
novamente a amanhecer.